Era difícil para Lucas entender a rigidez de seu pai. Às vezes, sentia que morava em uma casa onde tudo o incomodava — ou melhor, onde o pai o incomodava o tempo todo.
— "Você saiu da sala sem desligar o ventilador."
— "A TV tá ligada e não tem ninguém assistindo. Desliga!"
— "Guarde a caneta no suporte."
Essas pequenas repreensões diárias deixavam Lucas impaciente. "Por que tanto perfeccionismo?", pensava. Mas aguentava, repetindo para si mesmo que, assim que pudesse, deixaria aquela casa, aquela cidade, e viveria do seu jeito, sem regras.
Então, veio a chance de uma entrevista de emprego. Lucas estava animado. Era a oportunidade de provar seu valor e, quem sabe, finalmente conquistar a liberdade que tanto desejava. Na manhã da entrevista, seu pai o aconselhou: "Responda com confiança, mesmo que não saiba a resposta. E leve um pouco mais de dinheiro, só para garantir." Lucas saiu com um meio sorriso, achando aquilo tudo um exagero.
Quando chegou ao local, notou que a porta do prédio estava entreaberta e com a trava solta. Sem pensar muito, ajeitou a trava antes de entrar. Um pouco mais adiante, viu uma mangueira derramando água pela calçada, então a posicionou perto das plantas para que a água fosse aproveitada. E assim ele foi, ajustando detalhes ao seu redor — algo que tinha aprendido a fazer quase sem perceber.
No corredor de espera, viu alguns ventiladores ligados sem ninguém por perto. "Por que deixar ventiladores ligados à toa?", pensou, relembrando a voz do pai, e desligou-os antes de se sentar.
Finalmente, sua vez chegou. Ele entrou na sala de entrevistas, ansioso, mas a primeira pergunta o surpreendeu:
— "Quando pode começar a trabalhar?"
Lucas hesitou, confuso, mas o entrevistador logo esclareceu:
— "Nós avaliamos candidatos de uma forma diferente. Observamos suas atitudes ao longo do prédio, por meio das câmeras. Notamos que foi o único a arrumar a trava da porta, a ajustar a mangueira, a desligar as luzes e ventiladores desnecessários. Sua atenção aos detalhes e responsabilidade são justamente o que procuramos."
Lucas ficou em silêncio, absorvendo o que acabara de ouvir. Foi nesse instante que tudo fez sentido: a exigência do pai, as pequenas broncas. Tudo aquilo que, por anos, havia considerado uma implicância, eram lições que o prepararam para aquele momento. Saiu da entrevista contratado, e com um novo sentimento — gratidão.
Lucas voltou para casa, decidido a agradecer ao pai. A rigidez que tanto o irritava, percebeu, era na verdade uma forma de amor. E essa era a grande verdade que às vezes nos escapa: pais não ensinam por capricho, mas por se importarem. O que hoje pode parecer dureza é, na realidade, o molde que forma o nosso caráter.
Os pais, afinal, são aqueles que nos sustentam nos ombros para que possamos ver além do que eles mesmos enxergam. E um dia, quando eles não estiverem mais aqui, essas pequenas lições se transformarão em saudade, em orgulho, e em gratidão. Porque, no fundo, tudo o que nossos pais querem é que sejamos fortes o bastante para caminhar pelo mundo com nossos próprios passos.