Maria Madalena e o Evangelho Esquecido: “O pecado não existe”
Por Ronald Sanson Stresser Junior
Há quase dois mil anos, uma mulher ousou compreender o divino para além das fronteiras da culpa. O nome dela era Maria Madalena, e sua voz ecoa — apesar dos séculos de silenciamento — como um convite ao retorno do ser ao seu próprio centro.
O texto conhecido como Evangelho de Maria Madalena, descoberto em papiros no Alto Egito em 1945, traz uma revelação que desconcerta o mundo cristão ainda hoje: “O pecado não existe.”
Trata-se de um evangelho gnóstico, escrito provavelmente por volta de 150 d.C., em um tempo em que o cristianismo ainda não era poder, mas experiência. Quando o “seguir Jesus” era sinônimo de mergulhar dentro de si, não de obedecer a dogmas.
A mulher que compreendeu o invisível
Madalena não aparece ali como a prostituta arrependida que a tradição forjou, mas como a discípula mais íntima do Mestre — aquela que o compreendeu em profundidade.
É a ela que Jesus, já ressuscitado, confia os segredos da alma. É a ela que os homens — Pedro à frente — questionam:
“Já que tu te fazes intérprete dos elementos e dos acontecimentos do mundo, dize-nos: o que é o pecado no mundo?”
E o Mestre responde, segundo o texto:
“Não há pecado. Sois vós que fazeis existir o pecado, quando agis conforme os hábitos de vossa natureza adúltera.”
O “adúltero” de que fala Jesus não se refere à carne, mas à idolatria — ao ato de adorar o que é ilusório, de absolutizar o relativo e relativizar o Absoluto. O pecado, portanto, não é uma ofensa a Deus, mas um afastamento do centro, um desvio da harmonia original entre o ser humano e o cosmos.
O retorno ao centro
“Eis por que estais doentes e morreis: é a consequência de vossos atos”, continua o texto.
A doença, a morte, o sofrimento — tudo seria, nesse olhar, fruto da desarmonia, da ignorância de nossa natureza divina. Quem caminha em Deus não adoece, porque vive em equilíbrio; quem se afasta do centro, vive dividido — e o diabo, palavra que literalmente significa “aquele que divide”, instala-se na consciência.
Para Maria, voltar às raízes é voltar ao Sagrado. É reunir o fragmentado, é permitir que o Bem — que é o próprio Cristo — una novamente os elementos da nossa natureza dispersa.
“Jesus veio ao nosso meio a fim de nos unir às nossas raízes”, ensina o evangelho. Eis o sentido mais puro da redenção: não o perdão de um crime, mas a lembrança de quem somos.
A coragem do feminino
O Evangelho de Maria Madalena confronta, de modo radical, o institucionalismo patriarcal que viria a dominar a Igreja nascente.
Nele, o feminino é a ponte com o divino. Não o feminino submisso, mas o feminino da intuição, da escuta e da liberdade interior — aquele que reconhece o Mistério sem precisar domesticá-lo.
Talvez por isso Pedro tenha se incomodado. Talvez por isso a história oficial tenha calado sua voz por séculos. Mas nenhuma fogueira foi capaz de queimar essa chama.
A nova compreensão do “pecado”
Quando o Mestre diz “quem puder, compreenda”, ele parece falar conosco — homens e mulheres de um tempo igualmente dividido. O pecado, nesta leitura, não é algo que se faz, mas algo que se esquece: a lembrança de que somos um com o Todo.
O Bem — ou Deus, ou o Amor — não vem de fora para nos punir, mas de dentro para nos curar. Permanecer no centro, como diz o texto, é já viver sem pecado. É deixar que a graça flua sem resistência. É caminhar sem culpa, mas com consciência.
Um evangelho para o novo tempo
Em tempos de intolerância e dogmas travestidos de fé, o Evangelho de Maria Madalena ressurge como uma brisa lúcida no deserto espiritual da humanidade. Ele não destrói a fé — ele a devolve ao coração. E nos recorda de que o verdadeiro templo é a consciência desperta, onde Deus não é medo, mas presença.
Madalena nos convida à reconciliação com nós mesmos. A compreender que o Bem não está em um altar, mas no instante em que cessamos de nos dividir. E, quando isso acontece, o pecado realmente deixa de existir.
“Quem puder, compreenda.” — Evangelho de Maria Madalena, 7, 28


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