Do livro "História de Cristo" (1929), por Giovanni Papini
Nosso Pai
Ordenara-lhes já orações curtas e em segredo.
Mas eles não se satisfaziam com as orações dos sacerdotes, tíbios e livrescos, do Templo.
Quiseram uma oração própria para eles, que seguiam a Jesus. Jesus, na Montanha, ensinara pela primeira vez o Pai Nosso. A única oração que aconselhara. Simplicíssima.
Sem literatura, sem teologia, sem arrojo, sem servilismo. A mais bela de todas.
Mas o Pai é simples, nem todos o entendem. A repetição, secular e mecânica da língua, e dos lábios, a repetição milenária, ritual, distraída indiferente, fez dela um colar de sílabas cujo sentido, originário e familiar, se perdeu.
Relendo-o, palavra por palavra, como um texto novo, caído agora pela primeira vez sob os nossos olhares, ele perde o caráter de banalidade ritual, readquirindo o primitivo brilho e virgindade.
Pai Nosso: logo, nascemos de ti e nos amas como a filhos, de ti não recebemos nenhum mal.
Que estais no céu — enquanto se opõe à terra, na esfera oposta à Matéria — logo no Espírito, nesta parte mínima e, contudo, eterna do Espírito: nossa alma.
Santificado seja o vosso Nome. Não devemos somente adorar-te de boca, mas ser dignos de ti, de aproximarmo-nos de ti, com um amor mais forte. Para que não sejas mais o Vingador, o Senhor das batalhas, mas o Pai que ensina a felicidade na paz.
Venha a nós o vosso Reino: Reino dos céus, Reino do Espírito e do Amor, do Evangelho.
Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu: Que a tua lei de bondade e de perfeição reine no Espírito e na Matéria, no Universo visível e invisível.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje, porque a matéria do nosso corpo, sustentáculo necessário do espírito, precisa, quotidianamente, do sustento de um pouco de matéria. Não te pedimos riqueza, pernicioso trambolho, mas só o pouco que nos permita viver, para nos tornarmos mais dignos da vida, que nos prometeste. O homem não vive só de pão, mas, faltando-lhe este pedaço de pão, a alma que habita o corpo não poderá nutrir-se de alimentos mais preciosos.
Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Perdoa-nos, assim como nós perdoamos aos outros. És o nosso credor esterno e infinito: jamais poderíamos estar quites contigo. Pensa que custa mais à nossa má natureza perdoar uma só dívida, a um só dos nossos devedores, do que a ti cancelar a lembrança de tudo o que devemos.
Não nos deixeis cair em tentação. Somos fracos e ainda ligados à carne, neste mundo, por vezes tão belo e tão aliciador às molezas do pecado. Ajuda-nos, para que a nossa conversão não seja por demais difícil e combatida e para que, sem demora, entremos no Reino.
Livrai-nos do mal. Tu, que estás nos céus, que tens poder sobre o mal e sobre as irredutíveis hostes da matéria — é tão difícil escapar-lhes sempre às ciladas — Adversário de Satanás, negação da Matéria, ajuda-nos tu. Nesta vitória sobre o mal multiplicado, que só será vencido, quando todos o tiverem vencido, nesta vitória decisiva, está toda a nossa grandeza, mas ela estará mais próxima, só com o auxílio do teu poder.
Com este pedido final, termina o Pai-Nosso. Nele não há a fastidiosa adulação das orações orientais, rosários de louvores e hipérboles, que mais parecem inventadas por um cão, adorando caninamente o seu dono, que lhe tolhera a vida e lhe atira um osso.
Não há a chorosa súplica do salmista, pedindo a Deus todos os auxílios, mais vezes temporais que espirituais, lamentando-se porque a colheita foi pequena ou porque não goza do respeito dos seus súditos e pedindo castigos e flechas para os inimigos que não pode vencer sozinho.
O único louvor que existe é a palavra Pai. Louvor que é uma obrigação e um testemunho de amor.
A este Pai só lhe pede um bocado de pão — já quase ganho, porque o anúncio do Reino é um trabalho necessário — e o perdão que damos aos nossos inimigos; enfim, uma proteção eficaz para combater o mal, inimigo comum de todos, escura muralha que nos fecha a entrada do Reino.
Quem reza o Pai Nosso não se orgulha nem se envilece. Fala a seu pai no tom íntimo e tranquilo da confidência, quase de igual para igual. Sabendo-se amado, tem certeza de que seu pai lhe concede os desejos e que não há necessidade de longos discursos. "Vosso Pai sabe o que vos falta, antes que lhe peças alguma coisa." A mais bela das orações é também o quotidiano memorial de tudo o que nos falta, para nos tornarmos semelhantes a Deus.
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Fonte: História de Cristo (1929), de Giovanni Papini, páginas 139, 140 e 141. Companhia Editora nacional. Tradução do Padre Lindolpho Esteves. Imagem: pintura O Sermão da Montanha, de Carl Heinrich Bloch (c.1877)
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