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sábado, 23 de abril de 2022

O homem superior e o homem inferior


Contam que Epiteto, o 'escravo filósofo', recebeu a visita de um orador afamado que foi a Roma, aprender filosofia com o célebre estoico.

Epiteto recebeu o visitante com frieza, sem querer acreditar na sua sinceridade. "O senhor quer apenas criticar o meu estilo, mas realmente nenhum interesse tem em aprender princípios - disse o filósofo.

— E de que me servem esses princípios, se só com eles nunca passarei da triste circunstância em que te encontro, sem dinheiro e sem bens?

— Nada disso me faz falta - respondeu Epiteto - e entretanto o senhor é mais pobre do que eu. Não ambiciono o poder que o senhor tanto anseia. Pouco se me dá o que César pense de mim; não lisonjeio ninguém, e é nisso que constitui a minha riqueza. O senhor tem baixelas de prata, porém razões, princípios e apetites de barro. O meu espírito vale para mim um reino, e proporciona-me abundante e feliz ocupação, em vez de sua inquieta ociosidade. Toda a sua fortuna ainda lhe parece pouca, a minha me basta. O seu desejo é insaciável, o meu está satisfeito".

O homem puro, de sentimentos nobres, é uma alma isenta de paixões e ambições. Trabalha como todos trabalham, mas sem ambição. O seu exemplo vale mais que a sua palavra porque "quem vive bem, calado prega".

O homem que atingiu a essa perfeição resolveu o problema da felicidade, e, no maior infortúnio, é como Sócrates, feliz è invejado. O problema da

felicidade tem a sua única solução no íntimo da alma, na saciedade dos apetites baixos, na serenidade diante do inevitável.

Disse um pensador que "quando chegamos ao fim dos nossos desejos temos chegado ao principio da paz." Mas, para isso, indispensável é aprender a discernir o permanente do transitório, o contingente do necessário, o falso do verdadeiro. Quanta coisa fica, e quão pouco levamos com a morte?

Buda, o Senhor do Oriente, diz que a vida do homem está cheia de sofrimento. "O homem sé esforça por atingir o que não possui, e sofre quando não o consegue, ou teme perder o que já conseguiu. O homem sofre porque perde aqueles que ama; sofre porque deseja a afeição que lhe não é retribuída. Sofre com o temor da morte, ou por si ou por aqueles a quem ama. Assim a vida humana é mais ou menos cheia de preocupações e sofrimentos."

Buda, analisando a causa do sofrimento, conclui que o desejo inferior, a torpe ambição, produz todas as dores humanas.

Se um homem não deseja nem riquezas nem glórias, permanece sereno e impassível quer essas coisas lhe alcancem ou quer venha a perdê-las. Quantas vezes, na velhice, o homem lamenta a perda das faculdades físicas?!... No entanto, soubesse ele distinguir a alma, que jamais se altera, da matéria perecível, nada teria a sofrer quando o seu veiculo terrestre se enfraquece e gasta.

E, a única maneira de fazer cessar o sofrimento é compreender a vida, afastando-se dos desejos inferiores.

Buda explica como, fixando o pensamento no que há de mais elevado, aprendendo a dominar a natureza inferior, o homem deixa de sofrer e se torna calmo e sereno.

A maioria da humanidade, cativa dos objetos dos sentidos, fascinada pelo gozo material e pelo ouro, não pode ter outro ideal senão a matéria.

O homem vulgar procura apenas alimentar o corpo, mas não sabe qual é o alimento para a alma. E a época de sofrimento e perturbação, que hoje atravessamos, devemos à espessa crosta de materialidade que envolve o homem e toda a humanidade.


E. Nicoll (1933)



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