Nosso conteúdo é vasto! Faça sua busca personalizada e encontre o que está procurando...

Translate

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O Peso da Pedra


Dona Clarice, viúva de 72 anos, era conhecida na vizinhança pela sua pontualidade e palavra firme. Toda terça-feira, às oito em ponto, ela ia ao mercadinho da esquina buscar pão fresco e uma conversa rápida com o Seu Raimundo, o padeiro. Para ela, a vida era feita de pequenos compromissos que, por mais simples que parecessem, carregavam o peso de sua integridade.

Certa manhã, enquanto ajeitava os cabelos brancos no espelho, percebeu que estava atrasada. Não era comum. Tinha perdido a noção do tempo ao procurar o relógio de pulso, que sempre ficava no criado-mudo, mas naquele dia parecia ter evaporado. Resmungando consigo mesma, pegou a bolsa e saiu apressada.

Ao virar a esquina, tropeçou em uma pedra pequena no caminho. A queda foi brusca. Sentada no chão, com o joelho ralado, olhou para a pedra como se ela tivesse vida própria. "Ninguém tropeça em montanha", murmurou, esfregando o joelho. "É sempre numa pedra pequena." Um rapaz que passava parou para ajudá-la, mas Dona Clarice recusou com um gesto firme. 

— Estou bem, meu filho. Só tropecei na minha própria pressa.

Quando finalmente chegou ao mercadinho, já passava das oito e meia. Seu Raimundo, um homem calvo e sempre sorridente, a olhou com surpresa.

— Achei que não vinha hoje, Dona Clarice. Já ia ligar pra senhora.

— Pois é, Raimundo, tropecei numa pedra. Literal e metaforicamente.

Ele riu, mas percebeu o tom sério nas palavras dela. Clarice contou sobre o pequeno atraso que causara a pressa e, consequentemente, a queda. 

— É engraçado, Raimundo. A gente vive falando de grandes virtudes, mas esquece das pequenas. Ser pontual, por exemplo, é uma maneira de dizer que a gente respeita o tempo do outro. Hoje, ao me atrasar, senti que estava desrespeitando você, mesmo que só fosse por alguns minutos.

Raimundo colocou um pão quente na sacola dela e respondeu:

— Dona Clarice, a senhora já é um exemplo aqui. Um tropeço ou outro não apaga isso. Mas, sabe, ouvir isso da senhora me fez pensar. Acho que, às vezes, a gente também precisa tropeçar para lembrar de olhar onde pisa.

Clarice sorriu. A simplicidade das palavras do padeiro fez eco em seu coração. Voltou para casa caminhando mais devagar, reparando nas pedras pelo caminho, mas também nas flores que cresciam nas rachaduras do asfalto. 

Naquela noite, antes de dormir, encontrou o relógio perdido debaixo do sofá. Colocou-o no criado-mudo com cuidado, pensando em como as pequenas coisas – uma pedra, um atraso, uma conversa – têm o poder de moldar quem somos.

Ronald Sanson

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, contribuição, agradecimento, oração ou pedido:

Doe para continuarmos nossa obra:

Gostou?
Então contribua com qualquer valor
Use a chave PIX ou o QR Code abaixo
(Stresser Mídias Digitais - CNPJ: 49.755.235/0001-82)

Sulpost é um veículo de mídia independente e nossas publicações podem ser reproduzidas desde que citando a fonte com o link do site: https://sulpost.blogspot.com/. Sua contribuição é essencial para a continuidade do nosso trabalho.