Crédito da Imagem: "Cristo Entronizado em Sua Criação", Christina DeMichele |
"Uma das buscas mais persistentes entre os cientistas que vem geralmente das ciências da Terra e da vida é pela da unidade do Todo. Dizem: “precisamos identificar aquela fórmula que tudo explica e assim captaremos a mente de Deus”. Esta busca vem sob o nome de “A Teoria da Grande Unificação” ou “A Teoria Quântica dos Campos” ou, pelo pomposo nome de “A Teoria de Tudo”. Por mais esforços que se tenham feito, todos acabam se frustrando ou como o grande matemático Stephan Hawking, abandonando esta pretensão. O universo é por demais complexo para ser apreendido por uma única fórmula.
Entretanto, pesquisando as partículas sub-atômicas, mais de cem, e as energias primordiais, chegou-se a perceber que todas elas remetem àquilo que se chamou de “vácuo quântico” que de vácuo não possui nada porque é a plenitude de todas as potencialidades. Desse Fundo sem fundo surgiram todos os seres e o inteiro universo. É representado como um vasto oceano sem margens, de energia e de virtualidades. Outros o chamam de “Fonte Originária dos Seres” ou o “Abismo alimentador de Tudo”.
Curiosamente, cosmólogos como um dos maiores deles, Brian Swimme, denomina-o de o Inefável e o Misterioso (The Hidden Heart of the Cosmos, 1996) Ora, estas são características que as religiões atribuem à Última Realidade que vem chamada por mil nomes, Tao, Javé, Alá, Olorum, Deus. O Vácuo pregnante de Energia se não é Deus (Deus é sempre maior) é a sua melhor metáfora e representação.
Esse vácuo repleto é o fundamental e não a matéria. Esta é uma das emergências desta Fonte Originária. Thomas Berry, o grande ecólogo norte-americano, escreveu a esse respeito: “Precisamos sentir que somos carregados pela mesma energia que fez surgir a Terra, as estrelas e as galaxias; essa mesma energia fez emergir todas as formas de vida e a consciência reflexa dos humanos; é ela que inspira os poetas, os pensadores e os artistas de todos os tempos; estamos imersos num oceano de energia que vai além da nossa compreensão. Mas essa energia, em última instância, nos pertence, não pela dominação mas pela invocação” (The Great Work, 1999, 175), quer dizer, abrindo-nos a ela.
Se assim é tudo o que existe é uma emergência desta energia fontal: as culturas, as religiões, o próprio cristianismo e mesmo as figuras como Jesus, Moisés, Buda, Sócrates, Francisco de Assis e cada um de nós. Tudo vinha sendo gestado dentro do processo evolucionário na medida em que surgem ordens mais complexas, cada vez interiorizadas e interconectadas com todos os seres e com o Todo. Quando acontece determinado nível de acumulação dessa energia de fundo, então ocorre a emergência dos fatos históricos e de cada pessoa singular.
Quem viu esta inserção de Cristo no cosmos foi o paleontólogo e místico Teilhard de Chardin (+1955), aquele que reconciliou a fé crista com a ideia da evolução ampliada e da nova cosmologia. Ele distingue o “crístico” do “cristão”. O crístico comparece como um dado objetivo dentro do processo da evolução: um elo que tudo liga e re-liga. Porque estava lá dentro pôde irromper, um dia na história, na figura de Jesus de Nazaré.
Portanto, quando este crístico é reconhecido subjetivamente, se transforma em conteúdo da consciência de um grupo, se transforma em “cristão”. Então aparece na forma do cristianismo histórico, fundado em Jesus, o Cristo, encarnação do crístico. Daí se deriva que suas raízes derradeiras não se encontram na Palestina do primeiro século, mas dentro do processo da evolução cósmica que já existe há cerca de 13,7 bilhões de anos.
Santo Agostinho escrevendo a um filosofo pagão (Epistola 102) intuiu esta verdade: ”Aquela que agora recebe o nome de religião cristã sempre existia anteriormente e não esteve ausente na origem do gênero humano, até que Cristo veio na carne; foi então que a verdadeira religião que já existia, começou a ser chamada de cristã.”
No budismo se faz semelhante raciocínio. Existe a budeidade (a capacidade de iluminação) que vem se forjando ao longo do processo da evolução, até que ela irrompe em Sidarta Gautama que virou Buda (o iluminado). Esta só pôde se manifestar na pessoa de Gautama porque antes, a budeidade, estava lá no processo evolucionário. Então virou o Buda, como Jesus virou o Cristo.
Quando esta compreensão vem internalizada a ponto de transformar nossa percepção das coisas, da natureza, da Terra e no Universo, então abre-se o caminho para uma experiência espiritual cósmica, de comunhão com tudo e com todos. Realizamos por esta via espiritual o que os cientistas buscavam pela via da ciência: um elo que tudo unifica e atrai para frente."
Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor
(reprodução de Instituto Humanitas Unisinos)
Imagem: Ícone "Cristo Entronizado em Sua Criação", por Christina DeMichele
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