"Ele era membro do governo e cônscio de sua própria importância. Falou de seus deveres e responsabilidades para com o povo; explicou por que seu partido era superior à oposição; discorreu sobre os esforços que estavam fazendo para acabar com a corrupção e sobre a dificuldade de encontrar homens incorruptíveis e ao mesmo tempo eficientes.
Perguntou por que havia a ânsia de poder. O que se entende por poder? Todo indivíduo e todo grupo aspira ao poder – para si próprio ou para o partido. O partido é um prolongamento do próprio indivíduo. O asceta busca poder na renúncia, a mãe por meio de seu filho.
Há o poder da eficiência, com suas crueldades; e o poder da máquina, nas mãos de uns poucos; há a dominação de um indivíduo por outro, a exploração dos estúpidos pelos espertos; o poder do dinheiro, o poder do nome e da palavra. Todos ambicionamos uma certa espécie de poder, seja sobre nós mesmos, seja sobre os outros.
Esse impulso para o poder produz uma certa felicidade e satisfação. E como nos satisfazemos facilmente! O conforto que nos dá o alcançarmos uma satisfação nos torna cegos. Toda satisfação causa cegueira. Por que buscamos o poder?
Político: Suponho que seja porque ele nos proporciona conforto físico, posição social e respeitabilidade – quando exercido dentro das normas aprovadas.
Krishnamurti: Buscamos o poder tanto interiormente quanto exteriormente. Por que? Por que nos prostramos diante da autoridade, de um livro, de uma pessoa, do Estado ou de uma crença? Antigamente era a autoridade do sacerdote que nos acorrentava, hoje é a autoridade do técnico, do especialista. Já não notastes a maneira como tratamos o homem que tem um título, o homem de posição, o homem poderoso? O poder, sob alguma forma, parece dominar-nos a vida: o poder de um sobre muitos, a utilização de um por outro ou a mútua utilização.
Político: O que entendeis por “utilização de outro”?
Krishnamurti: Isto é simples, não? Nós nos servimos uns dos outros para satisfação mútua. Necessitais de votos para galgar o poder; fazeis uso do povo para obterdes o que desejais – e o povo tem necessidade do que prometeis. A mulher necessita do homem, e o homem da mulher. Nossas relações estão baseadas na necessidade e na utilização. Tais relações são intrinsecamente violentas, e esta é a razão por que a violência constitui a base de nossa sociedade. Enquanto eu fizer uso de outra pessoa para minha satisfação pessoal ou para a concretização de uma ideologia, só poderá haver medo, desconfiança e oposição.
Político: Mas é impossível viver sem essa necessidade mútua.
Krishnamurti: Eu tenho necessidade do carteiro, mas se me sirvo dele para satisfazer um certo impulso interior, nesse caso a necessidade social se torna uma necessidade psicológica e nossa relação sofreu uma mudança radical. A necessidade psicológica torna inevitável a busca de poder, e esse poder é utilizado como meio de satisfação. O homem que é ambicioso para si mesmo ou para seu partido, ou aquele que deseja alcançar um ideal, é um fator de desintegração na sociedade.
Político: A ambição não é inevitável?
Krishnamurti: Por que admiti-la como inevitável? A crueldade do homem para com o homem é inevitável? Não desejais pôr-lhe fim?
Político: Se não sou cruel para com outros, alguém será cruel para comigo, e assim sendo tenho de manter-me por cima.
Krishnamurti: Estar por cima – eis justamente a aspiração de todo indivíduo, todo grupo, toda ideologia, e por causa dessa aspiração é que se mantêm em pleno vigor a crueldade e a violência. Como pode haver paz quando há utilização mútua? O poder de uma ideia e o poder da espada são iguais; todos os dois são destrutivos. A ideia e a crença, tal como a espada, lançam o homem contra o homem.
Político: Por que então somos dominados por esse desejo de poder?
Krishnamurti: A luta pelo poder não é um dos meios mais “respeitáveis” de fuga a nós mesmos? Cada um luta por fugir a sua própria insuficiência, sua pobreza interior, sua solidão, seu isolamento. Considerai o que sucederia se vos vísseis ameaçado de perder todo vosso poder, vossa posição, vossa riqueza? Resistiríeis à ameaça, não? Resistiríeis com violência ou com argumentos racionais e sutis. Se fôsseis capaz de, voluntariamente, abrir mão de todas vossas aquisições, vos tornaríeis o mesmo que nada, não é verdade?
Político: Parece-me que sim, e isso é muito desalentador. Naturalmente eu não desejo ser o mesmo que nada.
Krishnamurti: E tendes assim a ostentação exterior, sem nenhuma substância interior, sem o incorruptível tesouro interior. Desejais a exibição exterior, e outro também a deseja, e desse conflito resulta o ódio e o medo, a violência e a deterioração. Vós, com vossa ideologia, sois tão vazio como a oposição, e é por isso que vos estais destruindo mutuamente, em nome da paz, da eficiência, do emprego adequado ou em nome de Deus. Como quase todo mundo deseja estar de cima, edificamos uma sociedade de violência, conflito, inimizade.
Político: Mas como erradicar tudo isso?
Krishnamurti: Não sendo ambicioso, ávido de poder, de nome, posição; sendo o que sois, sendo simples, sendo ninguém. O pensar negativo é o supremo grau de inteligência.
Político: Mas a crueldade e a violência que campeiam no mundo não podem ser eliminadas por meu esforço individual. E não levaria um tempo infinito, até que todos os outros fossem transformados?
Krishnamurti: Os outros sois vós mesmo. Esta pergunta nasce do desejo de evitar vossa transformação imediata, não é verdade? Para podermos ir longe, temos que começar pelo que está perto. Mas na verdade não desejais transformar-vos; desejais que as coisas continuem como estão, principalmente se estais “por cima” e, assim, dizeis que levará um tempo infinito para se transformar o mundo. O mundo sois vós mesmo; o mundo não poderá ser transformado enquanto não estiverdes transformado. A felicidade está na transformação e não na avidez.
Político: Mas eu sou regularmente feliz. Naturalmente há em mim coisas de que não gosto, mas não tenho tempo nem disposição para me ocupar com elas.
Krishnamurti: Só um homem feliz pode criar uma nova ordem social; mas não é feliz aquele que está identificado com uma ideologia ou crença, ou que está todo absorvido em qualquer atividade social ou individual. A felicidade não é um fim em si mesma. Ela vem com a compreensão “do que é”. A felicidade que se compra é meramente satisfação; a felicidade conquistada pela ação, pelo poder, é mera sensação. E como a sensação se acaba depressa, há sempre a ânsia de mais e cada vez mais. Enquanto o mais for um meio para a felicidade, o fim será sempre a insatisfação, o conflito, o sofrimento. A felicidade não é uma lembrança; é o estado que se torna existente com a Verdade, sempre nova, nunca contínua."
Jiddu Krishnamurti (1895/1986) foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano. Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica, meditação, conhecimento, liberdade, relações humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização de mudanças positivas na sociedade global.
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