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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

21 de janeiro: Dia Contra a Intolerância Religiosa


"No Dia Contra a Intolerância Religiosa:

Acho a espiritualidade de uma beleza incrível. Tanto os caminhos mais ortodoxos quanto os mais abertos. Do acender da vela do despacho aos ritos de passagem xavante. Do batismo no rio às romarias ao Padim Ciço. 


O lado sombrio das religiões eu abomino. Porém, o lado transcendente, cultural e simbólico muito me atrai Sobre este lado, reflito.


Vejo alguns amigos, pensadores, grandes almas críticas, que, justificadamente, atacam os religiosos, as Instituições e seus dogmas perversos e alienantes. Compreendo. O triste, que muitas vezes, tudo cai no mesmo saco e não sobra nada. Sem perceber, nos igualamos ao que combatemos.


Porém, também vejo extasiado o outro lado. Encontro tanta beleza na expressão do sagrado, do incognoscível. Seja no transe afro, cristão ou nos rodopios dos dervixes girante. Esta entrega ao som dos tambores, do louvor, das línguas dos anjos, das flautas e do silêncio. Naquele momento sagrado, que algo de nós escapa, se conecta, se expande.


Ou nas músicas, das mais rebuscadas, no órgão medieval ao ohm budista. Dos maracás ritmados aos mantras indianos. Toda esta composição e arranjos que buscam uma esfera que não a cotidiana, me entorpecem de estranhamento e beleza. 


Sem falar nas letras sagradas. A própria Bíblia, tão rica em símbolos que nos elevam, ou nos poemas sufis, de tamanha beleza e lirismo. Ou os versos sagrados dos Devas, tão antigos e com tanta sabedoria, ou os sutras da flor de lótus. Ou os ensinamentos em forma de hinos, ou os de oralidade ancestral. Na voz dos pajés e dos mestres da cultura popular. Seja na voz baixinha, de português antigo, dos pretos velhos ou no silêncio compassivo dos monges tibetanos, japoneses. Pura poesia.


Por fim, espero que as trevas da incompreensão e do fundamentalismo, este sim, a maior ameaça pra diversidade do sagrado, nunca se torne maior que tantos ensinamentos de amor e transcendência. 


Que a pluralidade sempre tenha espaço neste mundo. Que os Deuses de todas as religiões sejam venerados na expressão máxima de seu símbolo e de seu mistério."







"A intolerância religiosa representa, certamente, um dos problemas mais delicados em nosso planeta, onde o fanatismo religioso, tão entranhado em milhões de pessoas, conduz umas a realizarem, contra as outras, verdadeiras guerras, em nome, supostamente, de sua religião, como se fosse possível estabelecer, com isso, qual a religião "estaria com a razão".

A questão é tormentosa e envolve o ser humano em sua mais pura essência, na medida em que são colocadas em jogo sua consciência e crença.
Podemos citar a falta de bom senso e de respeito mínimo à diversidade como fatores que criam e fortalecem as situações de caos e violência vistas em todo canto do mundo, inclusive em nosso país, decorrentes de divergências que levam um ser humano, inconformado com a consciência e a crença esposadas por outro ser humano, a tentar impor-lhe a sua própria consciência e crença, o que se afigura absurdo desmotivado, inútil e ofensor à liberdade fundamental de cada pessoa.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso VI, preceitua que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[1] veda, em seu artigo 2º, primeiro parágrafo, a discriminação por motivo de religião. Mais adiante, no art. 18, preceitua:
"ARTIGO 18
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas a limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções."
Oportuno frisar que a Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), buscando proteger cultos religiosos de matriz africana, tidos como aqueles que estão entre os mais discriminados no Brasil, estatui, em seus arts. 24 e 26:
"Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;
IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;
V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;
VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;
VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões;
VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.
(...)
Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:
I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;
III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público."
Todas as pessoas e suas respectivas religiões merecem proteção e respeito. Mencionamos dispositivos de lei que se referem propriamente a cultos de matriz africana apenas a título de ilustração, para indicar a preocupação do legislador em resguardar as liberdades de cada indivíduo, inclusive com relação a diferenças humanas de consciência e de crença, e em combater a disseminação do ódio entre as pessoas, fundado em intolerância religiosa. 
Convém anotar que a Lei nº 11.635/07 instituiu o dia 21 de janeiro como o "Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa".
Não se pode olvidar, outrossim, que o Brasil deve adotar uma postura neutra no campo religioso, de sorte a não apoiar ou discriminar nenhuma religião.
Com efeito, em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil e com toda a legislação que asseguram a liberdade de crença religiosa às pessoas, além de proteção e respeito às manifestações religiosas, a laicidade do Estado deve ser buscada, afastando a possibilidade de interferência de correntes religiosas em matérias sociais, políticas, culturais, etc.
A laicidade do Estado tem interface com diversos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, a liberdade de crença e de não crença, a igualdade de gênero e os direitos da população LGBT, população esta que sofre forte discriminação em virtude de dogmas religiosos.
Aperfeiçoar a tolerância às diferenças é indispensável no regime democrático. Quando se consegue fazer valer a laicidade do Estado, preservam-se direitos fundamentais.
Reconhecendo que a prática de ato de intolerância religiosa constitui violação ao Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a finalidade de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, esta Coordenadoria de Direitos Humanos buscará combater tais atos de intolerância e, também, contribuir para a laicidade do Estado, municiando, sempre que possível, os órgãos de execução do Ministério Público, para que adotem as providências cabíveis, a fim de preservar os direitos fundamentais das pessoas, independentemente de sua crença religiosa. 

[1]  Aprovado pelo Brasil em 12/12/91, ratificado em 24/01/92 e promulgado em 06/07/92.  

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